A Verdadeira Desgraça
O Evangelho Segundo o Espiritismo
por ALLAN KARDEC – tradução de
José Herculano Pires
Capítulo
5 – BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS
·
A
Verdadeira Desgraça
24 – Todos falam da desgraça, todos a experimentaram e julgam conhecer o seu
caráter múltiplo. Venho dizer-vos, porém, que quase todos se enganam, pois a
verdadeira desgraça não é, de maneira alguma, aquilo que os homens, ou seja, os
desgraçados, supõem. Eles a veem na miséria, na lareira sem fogo, no credor
impaciente, no berço vazio do anjo que antes sorria, nas lágrimas, no féretro
que se acompanhada de cabeça descoberta e coração partido, na angústia da
traição, na privação do orgulhoso que desejava vestir-se de púrpura e esconde
sua nudez nos farrapos da vaidade. Tudo isso, e muitas outras coisas ainda,
chamam-se desgraça, na linguagem humana. Sim, realmente são a desgraça, para
aqueles que nada veem além do presente. Mas a verdadeira desgraça está mais nas
consequências de uma coisa do que na própria coisa.
Dizei-me se o mais feliz acontecimento do momento, que traz funestas consequências,
não é, na realidade, mais desgraçado que aquele inicialmente aborrecido, que
acaba por produzir o bem? Dizei-me se a tempestade, que despedaça as árvores,
mas purifica a atmosfera, dissipando os miasmas insalubres que poderiam causar
a morte, não é antes uma felicidade que uma desgraça?
Para julgar uma coisa, é necessário, portanto, ver-lhe as consequências. É
assim que, para julgar o que é realmente feliz ou desgraçado para o homem, é
necessário transportar-se para além desta vida, porque é lá que as consequências
se manifestam. Ora, tudo aquilo que ele chama desgraça, de acordo com a sua
visão, cessa com a vida e tem sua compensação na vida futura.
Vou revelar-vos a desgraça sob uma nova forma, sob a forma bela e florida que
acolheis e desejais, com todas as forças de vossas almas iludidas. A desgraça é
a alegria, o prazer, a fama, a fútil inquietação, a louca satisfação da
vaidade, que asfixiam a consciência, oprimem o pensamento, confundem o homem
quanto ao seu futuro. A desgraça enfim, é o ópio do esquecimento, que buscais
com o mais ardente desejo.
Tendes esperanças, vós que chorais! Tremei, vós que rides, porque tendes o
corpo satisfeito! Não se pode enganar a Deus: ninguém escapa ao destino. As
provas, credoras, mais impiedosas que a malta que vos acossa na miséria,
espreitam o vosso repouso ilusório, para vos mergulhar de súbito na agonia da
verdadeira desgraça, daquela que surpreende a alma enlanguescida pela
indiferença e o egoísmo.
Que o Espiritismo vos esclareça, portanto, e restabeleça sob a verdadeira luz
da verdade e o erro, tão estranhamente desfigurados pela vossa cegueira. Então,
agireis como bravos soldados que, longe de fugir ao perigo, preferem a luta nos
combates arriscados, à paz que não oferece nem glória nem progresso. Que
importa ao soldado perder as armas, o equipamento e a farda na refrega,
contanto que saia vitorioso e coberto de glória? Que importa, àquele que tem fé
no porvir, deixar a vida no campo de batalha, sua fortuna e sua veste carnal,
contanto que sua alma possa entrar, radiosa, no reino celeste?
Delfina de Girardin. (Paris,
1861.)